sábado, 28 de outubro de 2017

Antero de Quental, "Tese e antítese"

                         I

Já não sei o que vale a nova ideia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspeto, à luz da barricada,
Como bacante após lúbrica ceia!

Sanguinolento o olhar se lhe incendeia…
Respira fumo e fogo embriagada…
A deusa de alma vasta e sossegada
Ei-la presa das fúrias de Medeia!
   
Um século irritado e truculento
Chama à epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obus...
   
Mas a ideia é num mundo inalterável,
Num cristalino céu, que vive estável...
Tu, pensamento, não és fogo, és luz!     

                      I I
   
Num céu intemerato e cristalino
Pode habitar talvez um Deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espetáculo divino.
   
Mas o homem, na terra onde o destino
O lançou, vive e agita-se incessante…
Enche o ar da terra o seu pulmão possante...
Cá da terra blasfema ou ergue um hino...
   
A ideia encarna em peitos que palpitam:
O seu pulsar são chamas que crepitam,
Paixões ardentes como vivos sóis!
   
Combatei pois na terra árida e bruta,
‘Té que a revolva o remoinhar da luta,
‘Té que a fecunde o sangue dos heróis!

Nenhum comentário:

Postar um comentário