terça-feira, 2 de maio de 2017

David Mourão-Ferreira, "Coro de Natal"


Quem nos garante que estamos vivos
que sequer somos o que fingimos
se atravessamos ruas e praça
sempre com ’spadas entre as espáduas
e com serpentes em torno aos braços
e com cilícios em vez de cílios
e com os sonhos desarrumados
pelos sorrisos e compromissos
desta comédia de celebrar-te
assegurando que não existes

Quem nos garante que estamos vivos
Ou não seremos somente o lixo
da grande roda que nos esmaga
da grande garra que nos agarra
do grande grito que nem gritado
por todos juntos será ouvido
Quem nos garante se neste espaço
que nos separa só o sigilo
preenche as pausas a grande pausa
de recearmos que tu existas

Quem nos garante que estamos vivos
se atravessando ruas e rios
portas e portos pontes e praças
só deparamos com os esgares
que já tiveram as nossas faces
à mesma hora nos mesmos sítios
Quem nos garante que sob as lajes
de outras cidades de outros jazigos
neste momento ressuscitados
não afirmamos que Tu existes

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