quarta-feira, 31 de maio de 2017

António Ferreira, "Ode"


Fuja daqui o odioso
Profano Vulgo, eu canto
As brandas Musas, a uns espritos dados
Dos Céus ao novo canto
Heróico, e generoso
Nunca ouvido dos nossos bons passados.
Neste sejam cantados
Altos Reis, altos feitos,
Costume-se este ar nosso à Lira nova.
Acendei vossos peitos,
Engenhos bem criados.
Do fogo, que o Mundo outra vez renova.
Cada um faça alta prova
Do seu esprito em tantas
Portugueses conquistas, e vitórias,
De que ledo te espantas
Oceano, e dás por nova
Do Mundo ao mesmo Mundo altas histórias.
Renova mil memórias
Língua aos teus esquecida,
Ou por falta de amor ou falta de arte,
Sê para sempre lida
Nas Portuguesas glórias,
Que em ti a Apolo honra darão, e a Marte.
A mim pequena parte
Cabe inda do alto lume
Igual ao canto, o brando Amor só sigo
Levado do costume.
Mas inda em alguma parte,
Ah Ferreira, dirão, da língua amigo!

António Ferreira nasceu na cidade de Lisboa em 1528 e morreu em 1569.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Cecília Meireles













"Canção de Outono"

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles
que não se levantarão...

Tu és folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

domingo, 28 de maio de 2017

Carlos Drummond de Andrade














"A um ausente"

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Fernando Pessoa - Álvaro de Campos, "Reticências"


Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na ação.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer
                                                                                   [qualquer coisa!
Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de
                                                                            [ontem que é sempre...
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir...
Produtos românticos, nós todos...
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura...
Santos Deuses, assim até se faz a vida!

Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.
Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,
Rodinha dentada na relojoaria da economia política,
Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,
A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como
                                                                                  [o silêncio da vida...
Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela,
Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela,
E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafisica.
Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar,
Fitei de frente todos os destinos pela distração de ouvir apregoando,
E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta,
E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária
                                                                                     [e o poema...

Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra...

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Eucanaã Ferraz, "Por vezes, não raro..."


Por vezes, não raro,
basta um gesto, sua borracha,
um quase nada de alvaiade,
um rasgo e só.

No entanto, o carvão
de certas palavras,
de alguns nomes,
não se apaga fácil.

Afogá-lo, inútil:
o maralto traz
de volta cada sílaba
em sal fortalecida.

Enterrá-lo? Logo renascerá:
árvore alta, trigo, praga.
No fogo, irrompe a letra,
inda mais sólida liga.

Há que esperar do esquecimento
o dente miúdo
e lento roer a nódoa na língua,
o travo no peito.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Rui Knopfli, "Pessoa Revisited"


Esta noite encontro-te, poeta.
Esta noite, que não é antiquíssima,
Nem idêntica por dentro
Ao silêncio,
Sendo apenas o lúcido abismo
Da minha insônia,
Sigo da margem
Ao rio dos teus versos.
Alguma vez todos os poetas
Se encontraram contigo.
Mesmo os menores como eu
Ou o meu vizinho do lado,
Que é contabilista, não faz versos
E arrepela violino nas horas de lazer.
Esta noite olho e penso
Os versos reacionários,
Em que reinventaste o sentido das palavras
E te negavas.
Negavas-te na irônica contradição
Dos conceitos escalpelizados
E até
Na matemática escorreita da correspondência comercial,
Com o mesmo à vontade
Com que um Einstein especula com espaços interestelares
E a diurna e esquisita noite galáctica.
O teu gênio desmedido
Frustrava em ti
O burocrata para uso externo.
E rias, alto
Como um insulto amargo,
Por detrás
Do Álvaro de Campos snob,
Ou oculto
Na frieza geométrica e longínqua
Do Ricardo Reis.
Cerebrais, frios, são,
Dizem,
Os teus versos.
São-no como quem fala, lenta,
Pausadamente,
Dissimulando na garganta o nó da angústia.
Diante
Da alheia ignorância do tempo absurdo,
Com a miopia e o bigode estreito
Do manga de alpaca a fingir cabotismos,
Habitavam
O gênio e a náusea.
Com o gesto banal e repetido de quem
Acende o cigarro
Abriste as portas do espanto
E fizeste acreditar que eram as da dispensa.
Porisso
Hoje nos limitamos a entrar,
Porisso dormimos hoje com a cabeça
Nos teus versos,
Falamos com ar despreocupado
No Pessoa, à hora do café
E visitamos-te com secreta religiosidade.
Agora que tu te foste,
Sem que déssemos por tal,
Desapercebido, caminhando nos bicos dos pés,
Como o fazias em vida,
Em vão te buscamos,
Em vão rezam por ti compridas laudas
Em jornais a ressumar cultura,
Em vão te imitamos,
Em vão a estridência do nosso arrependimento.
Lá onde moras não há som
E nem sequer te incomodam no leito
As duras pedras e a terra úmida das raízes.
No dia 30 de Novembro de 1935
Aqui fazia sol
E eu, na beira do passeio,
Via passar os elétricos sem os entender
E resumia o sonho à nitidez gulosa
Do pão com manteiga,
Sentado a milhares de quilômetros da tua morte.
Perdoai pois se não fui
Ao teu enterro anônimo.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Sóror Violante do Céu, "Madrigal"


Enfim fenece o dia,
Enfim chega da noite o triste espanto,
E não chega desta alma o doce encanto:
Enfim fica triunfante a tirania,
Vencido o sofrimento,
Sem alívio meu mal, eu sem alento,
A sorte sem piedade,
Alegre a emulação, triste a vontade,
O gosto fenecido,
Eu infeliz enfim, Lauro esquecido.
Quem viu mais dura sorte?
Tantos males, amor, para uma morte?
Não basta contra a vida
Esta ausência cruel, esta partida?
Não basta tanta dor? tanto receio?
Tanto cuidado, ai triste, e tanto enleio?
Não basta estar ausente,
Para perder a vida infelizmente?
Se não também, cruel, neste conflito
Me negas o socorro de um escrito?
Porque esta dor que a alma me penetra
Não ache o maior bem na menor letra,
Ai! bem fazes, amor, tira-me tudo!
Não há alívio, não, não há escudo,
Que a vida me defenda,
Tudo me falte, enfim, tudo me ofenda,
Tudo me tire a vida,
Pois eu a não perdi na despedida.

Violante da Silveira ou Violante de Montesino nasceu em 1601 e faleceu em 1693.  
Passou a chamar-se Sóror Violante do Céu após entrar para um convento de freiras enclausuradas aos trinta anos de idade.
Consta que não exilou-se da vida mundana por vocação, mas para se proteger de sentimentos amorosos que a arrebataram e fizeram sofrer.

sábado, 20 de maio de 2017

Leis estranhas em Minnesota (EUA)


-- É contra a lei pendurar no varal, lado a lado, calcinha e cueca.
-- É proibido pintar um pardal para vendê-lo como periquito.
-- Uma pessoa não pode cruzar a fronteira do estado com um pato ou uma galinha em sua cabeça.
-- Há uma recompensa de 10 centavos para cada cabeça de rato levado a um escritório da cidade.
-- É proibido dormir nu.
-- Ficar em parado, em pé, perto de qualquer edifício, sem uma boa razão para isso, é ilegal.
-- É obrigatório usar camisa para dirigir motocicleta.
-- Sexo oral é proibido.
-- Em International Falls: Será multado quem deixar seu cachorro perseguir um gato que sobe em um poste de telégrafo.
-- Em Alexandria: É ilegal para o homem fazer amor com uma mulher com bafo de sardinha.
-- Em Cottage Grove: Residentes de endereços pares não podem regar as plantas em dias ímpares, excluindo o dia 31.
-- Em Minneapolis: É proibido andar para cima e para baixo em becos.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

António Barbosa Bacelar, "A uma ausência"


Sinto-me sem sentir todo abrasado
No rigoroso fogo, que me alenta,
O mal, que me consome, me sustenta,
O bem, que me entretém, me dá cuidado:

Ando sem me mover, falo calado,
O que mais perto vejo, se me ausenta,
E o que estou sem ver, mais me atormenta,
Alegro-me de ver-me atormentado:

Choro no mesmo ponto, em que me rio,
No mor risco me anima a confiança,
Do que menos se espera estou mais certo;

Mas se de confiado desconfio,
É porque entre os receios da mudança
Ando perdido em mim, como em deserto.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Adriano Espínola, "Meio-dia (2)"


O sol tomba, 
vertical, 
dos edifícios. 
Ardem os muros perfilados. 

Os objetos vomitam cores, 
embriagados. 

O vermelho dos sinais ri, 
em chamas, 
para os carros. 

Na calçada, 
a luz lambe 
as coxas da garota, 
penetra no blue-jeans 
dos manequins, 
irriga de calor 
a angústia dos homens. 

(Tudo se queima, 
tudo se consome, 
tudo arde infinito.) 

Ó súbita revelação:
o sol me aponta 
o carvão íntimo 
das coisas, 
negro 
coração 
batendo na claridade.

terça-feira, 16 de maio de 2017

Donizete Galvão, "Dia de sombra"


O domingo expõe
Seus andaimes de sombras,
Zonas de exasperada ferrugem,
Falas e imagens deterioradas.
Unhas imploram
Para serem roídas.
Há um facho de luz
Cruzando o plexo.
Há a irrupção do desejo,
Aragem de um espasmo,
Antes que as ruínas das horas
Girem seus dentes
E triturem os ânimos.
Imobilidade do corpo
Em seu centro vazio.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

domingo, 14 de maio de 2017

Maria Alberta Menéres, "Parece igual esta flor..."


Parece igual esta flor
mas já não é.
De corpo decepado, ainda a cabeça move
todo a graça!
Só amanhã secará.
Aguentasse um dia a nossa esperança,
um dia apenas de cabeça viva
e corpo decepado,
aguentássemos nós a vida em nossos olhos
depois do corpo morto,
e em nós começaria a eternidade.

Mas a seiva que ilude  bela flor
é mais forte que o sangue verdadeiro.

sábado, 13 de maio de 2017

Gregório de Matos, "Define a sua cidade"


De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.

Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dois ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dois ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dois ff se compõe.

Se de dois ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade ao meu ver.

Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são B-A-H-I-A:
logo ninguém me dirá
que dois ff chega a ter,
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Teixeira de Pascoaes, "Sozinho"


Tarde. Vagueio só por um outeiro.
Sua Imagem quimérica fluctua,
Diante de mim, no espaço: é nevoeiro
Vestindo de emoção a terra nua...

E como na minh'alma se insinua
Aquele etéreo Vulto... amor primeiro!
Ouço-o falar, lá fora, à luz da lua.
Vejo-o brincar na sombra do terreiro.

Apenas veem meus olhos, n'este mundo,
O seu perfil angélico, o seu fundo,
Misterioso, verde negro olhar...

Vejo uma estrela? É ele. Vejo um lírio?
É ele. Tudo é ele. E o meu delírio
É ele: é o seu espírito a cantar!

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Miguel Torga, "Armadilha"


Vivo preso nas malhas dos meus sonhos
Desfeitos,
A lembrá-los.
E, quanto mais esbracejo,
Mais me enredo na trança
Da ratoeira.
É que todos eram a maneira
Airosa
De me salvar.
E nenhum consegui realizar,
Nem consigo esquecer.
Virados do avesso, são agora
Uma negra masmorra
De condenado.
Até onde não pude!
Até onde não sou!
A que alturas celestes quis subir!
A que lonjuras ir!
E não subi, nem fui, nem certamente vou.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Leis estranhas em Michigan (EUA)


-- Na lei estadual, dentistas são oficialmente classificados como mecânicos.
-- O cabelo da mulher pertence, legalmente, ao marido. Por isso, só pode cortá-lo com sua permissão.
-- Adultério é ilegal, mas só pode ser punido mediante queixa da pessoa traída.
-- Pessoas casadas devem viver juntas ou irão para a prisão.
-- É ilegal acorrentar um jacaré em um hidrante de incêndio.
-- É proibido beber em trens.
-- É proibido vender carros aos domingos.
-- Matar um cachorro com o uso de uma câmara de descompressão é ilegal.
-- O ladrão pode mover uma ação judicial, caso seja ferido dentro da casa assaltada.
-- Qualquer pessoa com menos de 12 anos pode ter licença para ter uma arma, desde que não tenha sido condenada por um crime.
-- Em Clawson: O fazendeiro pode legalmente dormir com os porcos, galinhas, vacas, cavalos e cabras.
-- Em Detroit: Casais são proibidos de fazer amor no carro, a não ser que ele esteja estacionado da propriedade do casal. Também: Destruir, de propósito, rádios velhos é proibido. Ainda: O homem não pode “olhar com expressão de raiva” para sua mulher aos domingos.

domingo, 7 de maio de 2017

Adriano Espínola, "Dentro da Hora"


- E se acaso este grito
não encontrar sua resposta?

- Se ao invés esta ferida
mais alargar seu território?

- Que faremos se esta briga
armar o tempo à nossa volta?

- Que valia nós teremos,
cercados de chumbo e ódio?

- E se este medo crescer
suas facas dentro de nós?

- Até onde nossos punhos,
sangrando dentro da hora?

- Até quando nosso viver,
se somos tantos roçando a morte?

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Maria Alberta Menéres














"Adora a flor das árvores..."

Adora a flor das árvores, adora
toda a vaidade que das coisas vem.

Por ela nos traímos e vencemos,
e em cada hora de traição esquecemos
a dor de fruto que esta flor contém.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Francis Jammes, "Meu humilde amigo"


Meu cão fiel, humilde amigo, sucumbiste
Sob a mesa, fugindo à morte como à vespa
Tu fugias em vida. Ali tua cabeça
Voltaste para mim no passo breve e triste.

Companheiro banal do homem, tu que em teus dias
No que falta ao teu dono achas o que te baste,
Ó ser bendito que a jornada acompanhaste
Do arcanjo Rafael e do jovem Tobias...

Tal como um santo ama ao seu Deus, num grande exemplo
Amaste-me também, ó servo verdadeiro!
O mistério de tua obscura inteligência
Vive num paraíso inocente e fagueiro.

Ah se de vós, meu Deus, a graça eu alcançasse
De face a face vos olhar na eternidade,
Fazei que um pobre cão contemple face a face
Quem para ele foi um deus na humanidade.

Tradução de Manuel Bandeira

terça-feira, 2 de maio de 2017

David Mourão-Ferreira, "Coro de Natal"


Quem nos garante que estamos vivos
que sequer somos o que fingimos
se atravessamos ruas e praça
sempre com ’spadas entre as espáduas
e com serpentes em torno aos braços
e com cilícios em vez de cílios
e com os sonhos desarrumados
pelos sorrisos e compromissos
desta comédia de celebrar-te
assegurando que não existes

Quem nos garante que estamos vivos
Ou não seremos somente o lixo
da grande roda que nos esmaga
da grande garra que nos agarra
do grande grito que nem gritado
por todos juntos será ouvido
Quem nos garante se neste espaço
que nos separa só o sigilo
preenche as pausas a grande pausa
de recearmos que tu existas

Quem nos garante que estamos vivos
se atravessando ruas e rios
portas e portos pontes e praças
só deparamos com os esgares
que já tiveram as nossas faces
à mesma hora nos mesmos sítios
Quem nos garante que sob as lajes
de outras cidades de outros jazigos
neste momento ressuscitados
não afirmamos que Tu existes

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Bandeira Tribuzi, "Poema"


Um cão ladrou
na noite obscura
tremores frios
de inanição
A mulher magra
esperou cansada
que a carne exausta
fosse chamariz
Poucos sexos jovens
se investigaram
muitos não conseguiram
fugir à frustração
Alguns descansaram
outros se diluíram
o caixote de lixo
esperou esperou
Depois rompeu
a madrugada.